Esparsos

terça-feira, maio 31, 2005

Tempestade, parte 3

O trote apressado dos cavalos parou subitamente quando eles se acercaram de mim. Consegui desviar os olhos para olhar para a cena: quatro cavaleiros encapuzados, montados em quatro cavalos possantes, negros como a noite que agora principiava em abater-se sobre nós, coadjuvada pelas nuvens que, entretanto, já tinham cobrido todo o céu à nossa volta. A rapariga continuava a fazer festas ao meu cavalo e eu continuava a sentir aquela sensação de calor reconfortante no peito. Alguma recordação dentro de mim estava a ser despertada lentamente, algo que parecia ter esquecido há muito estava agora a entrar para o campo do consciente, como se estivesse estado sempre ali, à espera. Entrementes, o meu cavalo, muito estranhamente, tinha-se deitado.

A minha atenção foi desviada por um dos quatro cavaleiros, que estendeu a mão enluvada para mim, apontando descaradamente e sussurrando qualquer coisa, que percebi sem perceber. A sensação quente e confortável foi substituída por uma ligeira dor de cabeça, por tonturas que me fizeram ir de joelhos ao chão porque não me conseguia equilibrar. Ele continuou a apontar para mim e a sussurrar. As sombras que se agitavam em volta da rapariga começaram a esticar-se, a tentar envolver-me. Ao mesmo tempo, o meu cavalo parecia estar estranhamente quente e grande ao meu lado... Os seus músculos começavam a inchar, a sua respiração tornava-se mais pesada, e com um cheiro estranhamente sulfuroso; os olhos injectados de sangue estavam a olhar-me fixamente... Algo dentro de mim deu um sacão e repentinamente senti-me estranhamente leve.

Levantei-me e reparei que o cavaleiro já não olhava para mim. A rapariga, entretanto, tinha deposto no chão uma túnica igual à dos outros cavaleiros, mas debruada a ouro e prata. Aproximei-me, despi as minhas roupas normais e vesti aquelas sumputosas vestes. O tecido negro caiu sobre mim e assentou-me como se tivesse sido confeccionado para mim à medida. As costuras muito simplesmente não existiam. Tudo naquele tecido era macio, forte e perfeito. Os meus olhos estavam agora cheios de uma determinação que nunca antes tinha conhecido na minha vida, tudo agora fazia sentido e a minha vida parecia-me, por fim, perfeitamente lógica e coerente. Olhei para a rapariga novamente, conseguia perceber o seu papel no meio de tudo aquilo. Dirigi-me para perto dela e levei um joelho a terra para me colocar ao mesmo nível dela...

"I'm lying on the floor
I've broken through some door
I don't know how I came to this
There is blood lust in my eyes
"

- "Jeckyl & Hyde", Iced Earth

domingo, maio 29, 2005

Repugnância

O cheiro râncido, as formas industrialmente fabricadas e sumariamente modeladas, os sons que soltam... Olho e fico enojado, de todas as formas possíveis. A sensação, por causa da minha alergia que só se revela de vez em quando, é a de uma dor de cabeça fortíssima: uma broca que penetra no crânio, que desfaz o cérebro, e que depois sai pelo lado contrário da cabeça, continuando sempre a trabalhar - encravada - e a perturbar o normal funcionamento... a minha existência!

O cheiro... Esse é quase inexprimível: como se pode juntar num único conceito o cheiro de estrebaria, de podridão e de fossas sépticas? Como se pode explicar...? Bom, imaginem que, de cada vez que inspiram, ficam com vontade de enfiar as mãos dentro da garganta, rebentar o pescoço para conseguir puxar os pulmões cá para fora e poder limpá-los com ácido sulfúrico. Sim, porque é preferível não respirar a ter que engolir e snifar aquele doentio e nojento conjunto de aromas...

A aparência é completamente indefinível em termos realistas. Se já o cheiro requeriu uma aproximação altamente defeituosa, não sei como fazer passar a ideia... É simplesmente a personificação da Fealdade. É verdadeiramente nojento, todo o conjunto de coisas que sou obrigado a ver. Sinto-me verdadeiramente enojado, sinto-me... Sinto um vazio dentro de mim, sinto uma vontade de me eclipsar para fugir a esta praga, a esta doença que se alastra por todo o planeta, que não me dá um único momento de descanso.

Aposto que já sabem qual é a besta de que falo, com tal descrição... Sim, isso mesmo... O ser humano.

segunda-feira, maio 23, 2005

Um desejo

Só quero expressar um desejo:

"Burn down my house
and make something happen.
Stab me in the heart
and make something stop,
'cause I am so distracted...
I am slightly shocked
by how things can keep going
like a dead man's clock."
- "Chrome", Katatonia

sábado, maio 21, 2005

Tempestade, parte 2

Era muito estranha a presença daquela rapariga, ali sozinha, aparentemente perdida no meio de uma propriedade privada. Por breves instantes passou-me pela cabeça a ideia de que ela pudesse não estar sozinha, mas não consegui avistar ninguém de cima do meu cavalo, e aquelas planícies não eram bom sítio para alguém se esconder, de certeza. Algo me fez focar a minha atenção nela... Uma espécie de sexto sentido que acusava uma presença forte naquele sítio, um estado de desconforto em mim que fazia com que eu me sentisse pouco à vontade, quase como se estivesse nu perante uma multidão de pessoas. Tentei falar com ela, perguntar-lhe quem era e o que fazia ali, mas a única resposta veio dos seus olhos negros como ónix por debaixo do cabelo com risco ao meio. A sua boca não proferiu uma única palavra.

Ela deu um passo em frente: foi nessa altura que descobri que ela estava descalça, o que, de todo, é pouco apropriado naquele tipo de áreas... Os seus pés eram estranhos: eram a completa e perfeita simetria um do outro, eram perfeitos, sem quaisquer falhas ou linhas pouco agradáveis à vista. As unhas, pequenas e aparadas, brilhavam sem sequer estarem pintadas, e apesar do terreno poeirento, os pés não estavam minimamente sujos, quase como se ela tivesse acabado de sair do banho. O ar arrefeceu nitidamente consoante ela se foi aproximando de mim e do cavalo. Entretanto, conseguia sentir debaixo de mim o nervosismo do cavalo, a sua ânsia de dar meia volta e fugir, factor que atribuí à tempestade que se aproximava. Coriscou nos ares outro relâmpago, que foi rachar ao meio uma árvore no alcance da minha visão.

Eu também queria ficar nervoso mas, por alguma razão, não conseguia. Acabei por dominar decentemente o meu cavalo, apesar de continuar a resfolegar e a querer empinar-se. Ela estava agora quase encostada ao focinho do cavalo. Estendeu a mão e tocou-lhe docemente. Ele acalmou-se imediatamente e eu senti um estranho calor, quase conforto, no peito... Incapaz de virar a cabeça para longe daquela cena de estranha e inusitada beleza, consegui ouvir cavalos ao longe, o som dos seus cascos transportado pelo vento.

"Now Disciples of the Watch
See your Prince of Darkness rise
Through famine and destruction
The Four Horsemen at my side
I demand a victory,
I demand a sacrifice
Or spend all eternity
In the flaccid gut of Christ!
"
- "Damien", Iced Earth

quinta-feira, maio 19, 2005

Tempestade, parte 1

Cavalgo livre pelas longas pradarias e planaltos que longamente me viram crescer, que sentiram em si o peso do meu corpo em todos os minutos de todos os anos que já consegui atravessar. Por debaixo de mim, o cavalo esforça-se para manter o ritmo que lhe imponho, e que eu acompanho sem dificuldade, o corpo habituado ao sobe-e-desce compassado das cavalgadas poderosas que dou de vez em quando, apenas para aliviar momentaneamente o stress, para sentir a única forma de liberdade que me é dada experimentar. O caminho já é um velho conhecido, as suas pedras são parte dos desenhos que estão na palma da minha mão, e mesmo quando o vento ou uma chuvada mais forte muda algo de posição, eu consigo rapidamente senti-lo e habituar-me. Tudo isto me é tão familiar como o meu próprio corpo, que já tantas vezes as minhas mãos exploraram na busca de uma forma de prazer que me agradasse realmente.

Estava frio naquele sol posto. As nuvens cobriam o pouco brilho que ainda pontuava o céu, e o vento parecia arrastar consigo uma fúria inusitada, uma vontade de arrancar tudo na sua passagem. Ah, o vento... A esse também o conheço eu. Ele é um frustrado. Ele quer sempre mais, quer sempre ser maior, ser alimentado de mais força, mas só muito raramente consegue soltar todas as suas ambições e violentar então a humanidade que procura poluí-lo como se ele não existisse. Procura todos os sopros esquecer que ele permite a essa mesma humanidade que viva e que destrua tudo aquilo que ama. Algo ali era ominoso.

Então, no segundo depois de fechar os olhos e sentir o vento a bater-me na cara e a levar-me os cabelos compridos para trás das costas, senti um pulsar interno, senti uma força dentro de mim. Senti aquilo que já tinha procurado, que já tinha julgado fantasia, que já tinha julgado assombração ou loucura... Um trovão caiu perto de mim, senti na boca o estranho sabor metálico que sempre permeia aquelas quase-noites. Olhei para cima: não haviam nuvens suficientes para despoletar uma tempestade, muito menos para fazer aparecer um trovão daqueles. Intrigado, continuei a cavalgar, ainda olhando para os céus e para a Lua, em quarto crescente. De repente, o cavalo empinou-se, quase me atirando ao chão com a paragem súbita. Atordoado, olhei para baixo e vi a figura de uma rapariguinha sozinha, de pé, sem qualquer medo do cavalo, apesar de quase ter sido pisoteada por ele. Em volta congregavam-se as sombras das nuvens e o ar estava ainda mais carregado. O seu olhar era sombrio, pouco próprio de alguém tão novo. (Demorei um pouco, na escuridão, a reparar na quantidade de rugas que ocasionalmente apareciam no seu rosto macio e sedoso.)

"Now...you're no different now
Still the same, the Devil's whore
Lilith on the prowl
I...I've got something for you
I know what real pain is
And you will too
"
- "Jack", Iced Earth

terça-feira, maio 17, 2005

Contradições

Com a virulência própria de um sombrio vagueante pelas terras que não lhe pertencem e para as quais nunca deveria ter nascido, continua a enviar as suas farpas sangrentas através dos seus dedos esticados, acidentalmente ou de propósito, magoando a preceito ou a despeito, sem mais nenhuma intenção do que procurar viver de alguma forma. Misturando sentimentos com emoções, esmagando ou reconstruíndo corações, as formas que se abandonam às suas mãos raras vezes procuram redenção. Os olhos vítreos e obsessivamente fixos num único ponto, olhos de uma cor apenas, mortiços e quase a desfazerem-se dentro das suas órbitas, eram apenas o reflexo da negra maldade intrínseca que pairava dentro de si mesmo, dentro dos seus gestos, mesmo quando os intentava de uma outra natureza. Por dentro de todas as coisas que tentava fazer, por dentro de todos os muitos fracassos e dos poucos sucessos, estava sempre presente uma componente extremamente aleatória, uma forma desumana de ver a vida, uma irritabilidade para com tudo aquilo a que não pertencia.

Todas as formas de luz que entraram na sua existência eram consciente ou inconscientemente afastadas. Quando procurava a salvação, quando procurava uma outra forma de ver as coisas, os seus esforços saíam sempre inevitavelmente gorados pela sua verdadeiramente assustadora inépcia. Ele era, de certa forma, o expoente máximo da incapacidade de viver. Tão frio, e com tanta vontade de mudar, mas aparentemente incapaz de o fazer, encerrado nas suas contradições.

domingo, maio 15, 2005

Estabilidade

Firo tudo aquilo que me rodeia, e mesmo o meu sopro é uma tendência nociva para quem está perto de mim. Mostro um pouco de mim, e a realidade em volta começa a estremecer, a desvanecer-se. Perdido no centro de um abismo, quase buraco negro invertido, onde tudo sai e nada entra, dissipo-me também, para restaurar a estabilidade do espaço-tempo.

sábado, maio 14, 2005

Nota do Autor

leituras com net: Concurso de micro-contos: "Concurso de micro-contos

Durante o mês de Maio terá aqui lugar um concurso de micro-contos. Leiam o regulamento, participem, divulguem."

sexta-feira, maio 13, 2005

Momento

...Chegou o momento final. Mais um passo até à salvação. Nada mais resta até atingires os teus objectivos!

E o corpo, comandado pela gravidade, precipita-se sobre as ondas rumorejantes que se vêm quebrar contra as rochas pontiagudas, lançando ao ar partículas de água salgada que entram pelas vias respiratórias da eterna donzela abandonada à sorte de um destino que não estava escrito e que jamais poderá ser compreendido. Fechou os olhos alguns microssegundos antes do impacto que iria transformar o seu crânio numa massa disforme; o sangue a misturar-se com os restos de cérebro e tudo isto a ser lavado pelas ondas que reclamavam para si mais um pouco de alimento para a voracidade interminável dos peixes debaixo e dentro delas.

"Now I'm with open arms at the edge of the cliff
Just waiting for the wind to fly away.
"
- "At the Edge of a Cliff", Aenima

segunda-feira, maio 09, 2005

Sangue e coração

O sangue corre vermelho e quente dentro de mim, alimenta a minha carne e satisfaz-me os requisitos para que me possa levantar todos os dias, para que possa executar todas aquelas tarefas, mais ou menos mesquinhas, essenciais à função de viver. Ando, falo, como... tudo isso graças àquele líquido que corre em mim. Graças à potência daquele órgão que impulsiona o tal líquido dentro de mim. E quando esse líquido me falta nalguma parte do corpo, o frio, a imobilidade parcial apoderam-se de mim, deixam-me estranho a mim próprio, às minhas sensações. Aquele sabor metálico e profundo esconde coisas que não consigo explicar, esconde verdades, esconde segredos, vida e devastação que caminham lado a lado, pelos mesmos canais, todos os segundos de todos os dias até ao fim.

Mas agora, depois de tanto tempo, e de forma muito pouco usual, consigo sentir o meu coração. Sinto cada um dos seus batimentos, sinto que tenho realmente que fazer um esforço para conseguir que o sangue chegue a todo o lado. É estranho ter que fazer um trabalho para o qual não estou preparado...
Entretanto o coração começa a doer-me. É um músculo sobre o qual exerço um defeituoso controlo... estou a começar a cansar-me. As dores aumentam a cada momento, parece que vou ficar com uma cãibra. Não aguento mais! O meu coração parece que rebenta, a minha caixa torácica está quase a rebentar, não consigo parar, não posso parar, mas também nem posso pensar em desistir. Só que a dor é tanta!!! Argh!! Vou descansar, apenas um bocadinho. Só para depois poder retomar com mais calma.

...

sábado, maio 07, 2005

Livre arbítrio

As coisas que crio, as personagens que se levantam do papel para me virem sufocar com as suas vozes, com as suas exigências, reclamando serem vivos e autónomos. À noite é quando as vozes se levantam para sentirem mais vivamente aquilo que o fio da caneta ou as pontas dos dedos que martelam as teclas sem descanso os não deixam viver. Crio consciências separadas, crio afirmações, eu, deus de papel e tinta, ou de bytes de informação...

Um dia pode ser que toda a tinta que derramei a falar sobre mim, a falar sobre pequenos fragmentos da minha imaginação ou a criar fragmentos de imaginações alheias, saia do papel e venha ter comigo, se ajunte num único caudal e procure regressar a mim, qual obra com saudades do seu criador. Então eu poderei também dizer-lhes que, se são singulares e com vida própria, bem que se podem desenrascar sozinhas e voltar para as suas folhas de papel em que vivem, ao invés de virem tentar afogar-me como paga por coisas que foram elas a fazer.

Tu, que escreves, nunca sentiste a inspiração furtar-se ao teu controlo?

terça-feira, maio 03, 2005

Voz

Colagem de existências relegadas para o infinito, passagem de um mundo de ilusão para outro igualmente ilusório e a indefinição de um querer que nos escraviza aos meandros de um desejo que não conseguimos exprimir. Invenções que nos dominam a mente e o pensamento que se dispersa em todas as direcções. Fragmentos de memórias abandonadas ao rio da inútil passagem do tempo. Busco em mim uma forma de querer existir para além de todos os pensamentos mundanos que me possam atormentar e reprimo a vontade de existir no mundo das coisas físicas que me confortam. Tento mais afincadamente descolar-me do vento que passa e tento não sentir absolutamente nada, separar a minha mente do meu corpo, ascender a um plano superior, fazer parte de qualquer coisa que me possa localizar face a todas as outras coisas.

É preciso um mapa? É preciso que eu me sinta frágil nas minhas convicções e que dobre, qual folha ao vento, a tudo aquilo que os sussurros querem fazer de mim e que eu lhes faça. Não consigo colocar a voz correctamente quando estou a sussurrar. Talvez seja defeito meu: dizem que sim. E quem mo diz até consegue fazer isso. Mas eu não. A minha voz teima em elevar-se para além de tudo, para cima de tudo, deixando-me a mim aqui em baixo, deixando-me cansado e de garganta dorida. Estou espantado comigo mesmmo, estou assombrado com aquilo que não consigo fazer. Nem fazer uma sangria resolveria isto - a fraqueza e alucinações tornariam tudo pior, muito pior. Até mesmo a quem estende a mão eu respondo agressivamente. Levanto-me, caio, volto a levantar-me. Só que acabo por ficar confuso com todas estas movimentações. Sei que já não faço sentido. Deixem-me descansar um momento...

domingo, maio 01, 2005

Adeus

- Olá.
- Olá.
- Está tudo bem?
- Sim. E contigo?
- Também...
- ...Parecia que estavas cheio de pressa, ao telefone. Era porquê?
- Tinha que falar contigo urgentemente. Por isso é que combinei as coisas assim à pressa. Desculpa se te interrompi alguma coisa...
- Não interrompeste nada, que disparate! E mesmo que tivesses interrompido, para vir ter contigo vale sempre a pena, não achas?! E não te ponhas com respostas parvas, ou nunca ouviste falar de perguntas de retórica?
- Sempre a brincar, tu!
- Sempre! ... Mas afinal querias falar de quê?
- ...Disto tudo. De tudo, na verdade.
- De tudo?... Não estou a perceber...
- Tu, ontem à noite, não estavas assim tão bem, pois não?
- Esquece lá isso! Estou aqui agora, não estou?
- E porque é que eu devo esquecer?
- ...Como assim?! Olha, porque não vale muito a pena estar a falar disso agora, não achas? Temos que aproveitar enquanto estamos juntos para podermos descontrair um pouco.
- Pára com isso, por favor... Diz-me o que se passa...
- Não se passa nada! Vá, vamos sair daqui e dar uma volta a um lado qualquer; está um dia tão bom que nem parece que é inverno.
- Ainda não aprendeste que não consegues desviar assuntos nos quais eu insisto? Até parece que não me conheces...
- Oh, não digas disparates! ...Já chegou ontem à noite para esta conversa, ok?
- Não, não me parece que tenha chegado. Não desta vez.
- ...Vá, esquece lá isso... Vamos...
- Não! Desta vez não! Estou farto que me estejas sempre a dizer a mesma coisa, vezes e vezes sem conta, como se eu não existisse!!
- ...Mas tu existes, tu és a pessoa mais importante para mim! É em ti que eu confio, é a ti que eu...
- ...Não! Isso é muito bom de ouvir, e eu sempre disse que acreditava em ti, mas as coisas... estão num ponto onde eu não as suporto mais.
- ... ...Mas...
- Durante todo este tempo vi-te a sofrer e tentei ajudar-te. Durante todo este tempo tentei estender a minha mão para ti, tentei mostrar-te que comigo podias estar bem. Mas tu recusaste tudo isso, recusaste-te a deixar-me mostrar o meu amor por ti e fizeste-me sentir como se fosse apenas mais um objecto para enfeitar. Ou uma pessoa descartável, que se arruma quando não se quer enfrentá-la. Eu até compreendo... mas pedi-te mil e uma vezes que não o fizesse e de todas as vezes tu voltaste a fazê-lo, como se o que eu te tivesse dito não tivesse valido nada! E para além de me deixares de fora da tua vida, ainda me tentavas afastar mais. De todas as vezes eu suportei tudo isso. E fi-lo porque te amo. Porque esperava que acabasses por te cansar de me ver sofrer e me deixasses entrar na tua vida, ao invés de me teres como algo a que se recorre quando se quer sair da vida.
- ...Mas, amor...
- Não fales! Não digas mais nada, porque sabes que isto dói. Só que tudo isto ainda dói mais. E eu deixei de ter forças... Pela última vez... Adeus.


"I'm sitting here alone...
What else could I have done?
I can't regret 'cause I don't even know
What I did wrong...
...
Leaving you for me,
Try to understand
That I'm only leaving you for me.
Demons in my head,
They won't let go...
"
- "Leaving you for me", Martin Kesici & Tarja Turunen

"You and me
We used to be together, (...) always.
I really feel that I'm losing
My best friend.
I can't believe this could be
The end.
...
Don't speak
I know just what you're saying
So please stop explaining
Don't tell me 'cause it hurts.

- "Don't speak", No Doubt