terça-feira, maio 17, 2005

Contradições

Com a virulência própria de um sombrio vagueante pelas terras que não lhe pertencem e para as quais nunca deveria ter nascido, continua a enviar as suas farpas sangrentas através dos seus dedos esticados, acidentalmente ou de propósito, magoando a preceito ou a despeito, sem mais nenhuma intenção do que procurar viver de alguma forma. Misturando sentimentos com emoções, esmagando ou reconstruíndo corações, as formas que se abandonam às suas mãos raras vezes procuram redenção. Os olhos vítreos e obsessivamente fixos num único ponto, olhos de uma cor apenas, mortiços e quase a desfazerem-se dentro das suas órbitas, eram apenas o reflexo da negra maldade intrínseca que pairava dentro de si mesmo, dentro dos seus gestos, mesmo quando os intentava de uma outra natureza. Por dentro de todas as coisas que tentava fazer, por dentro de todos os muitos fracassos e dos poucos sucessos, estava sempre presente uma componente extremamente aleatória, uma forma desumana de ver a vida, uma irritabilidade para com tudo aquilo a que não pertencia.

Todas as formas de luz que entraram na sua existência eram consciente ou inconscientemente afastadas. Quando procurava a salvação, quando procurava uma outra forma de ver as coisas, os seus esforços saíam sempre inevitavelmente gorados pela sua verdadeiramente assustadora inépcia. Ele era, de certa forma, o expoente máximo da incapacidade de viver. Tão frio, e com tanta vontade de mudar, mas aparentemente incapaz de o fazer, encerrado nas suas contradições.