domingo, dezembro 24, 2006

Cisão

Olhei para ti, através do espelho que estava perante ambos. Olhei para mim em seguida.

Não entendi a semelhança entre o teu corpo, delineado e rico, luxuriante de curvas torneadas a luz e beleza, e o meu, fraco e capaz apenas de absorver a luminosidade em seu redor. O oposto de ti. Cravei a minha concentração em tudo e em nada ao mesmo tempo. A divisão começou a andar à roda. Eu divido-me de ti, divido-me contigo, misturo-me, separo-me. Perco-me infinitamente dentro desse espaço confinado a mim. Sei que não vives ensimesmada, que me lanças por cada poro aquilo de que necessito para viver. Mas sei que sem saber parar, vou consumir-te. Para sempre, porque esse acto singular não implica a renovação constante da luz que agora desmaia pelo decote do teu vestido e se perde entre os teus seios aconchegados.

Há a convicção que tudo pode ser resolvido, não há? Mas este espelho, este espelho em que ambos confiamos, diz-nos o contrário. Diz-nos que há uma diferença entre sentir e saber, entre querer e ter. Quero-te, mas não tenho a tua luz, não sou igual ou sequer semelhante a ti, capaz de compartilhar das mesmas emoções, dos mesmos sentimentos!

Sopro-te um beijo pelo ar, através do reflexo no espelho, e mudo de canal na televisão.