Esparsos

sexta-feira, abril 29, 2005

União

Porque não abdicas da tua pessoalidade? Basta juntares-te a mim, basta que congreguemos as nossas mentes de uma qualquer artificial maneira e poderemos depois suprir as necessidades individuais e combater o medo da solidão que todos temos através da comunidade indistinta e completa de várias mentes unidas. Podemos até mesmo abandonar a noção de um corpo único e rendermo-nos todos à corpórea inexistência. Porque não? Não seria tão mais fácil, mais simples, o fim do sofrimento de sermos apenas e irredutivelmente um? Porque não juntar toda a humanidade numa mente indistinta?

E então... o amor?

quarta-feira, abril 27, 2005

Exsudar

Do fundo da noite, do resto da vida, da memória esquecida, dos sentidos adormecidos ao longo de tudo, eu chamo-vos por nome, criaturas de devassidão e de perversões sem limites. É a vós, que sentis a carne em chamas a toda a altura das vossas vidas, que ardeis no vosso próprio desejo deixado por consumir que eu estendo a mão e vos peço que me acompanhem eternamente. E se, no fim da viagem infinita, se acobardarem, poderão pelo menos dizer que tentaram um dia ser mais humanos que a humanidade vos permite.

Estendam a mão para o espelho, agarrem o vosso reflexo pelo colarinho e espanquem a imagem que projectam na mente de outros. Será que vocês existem? Será que têm uma presença real? "Não! Mil vezes não!" "O Dantas saberá gramática, saberá sintaxe" mas não sabe de certeza que quem sente em si a destruição do fogo do desejo por consumar quer apenas uma satisfação momentânea, deixando de lado todas as filosofias, todas as crenças e as verdades absolutas.

Mesmo que cortes cerce a identificação daquilo que queres, logo sentirás na parte de trás da tua nuca uma tensão muscular que pede atenção e que não consegues agora, pobre coitado, ignorar. Toma da taça invertida a bebida nectarina, pura e estranhamente saborosa e poderás por fim descansar a tua cabeça - se no dia seguinte a tensão regressar, saberás pelo menos que a recuperação está a caminho e que as dores que sentes agora mereceram existir.

E tu, cujos longos fulvos cabelos se agitam altivamente no espaço abanados pelo vento vazio que ensombra a existência cheia de um nada que te devora a cada dia que passa, qual alienação-doença, entrega o teu ser a quem quiser tomar de ti o dom que encerras e a quem quiser despertar em ti a malevolência fugaz e tão deliciosamente bela que te fará uivar longamente sob uma Lua esbranquiçada como o prazer que provocas.

A mim! Deixai que vos escorra pelos poros da vossa pele saturada aquilo que longamente escondestes!

segunda-feira, abril 25, 2005

25 de Abril - N. do Autor

Este é o meu pequeno protesto: não publicar.

Porque nos roubaram a Revolução, porque a Revolução nunca aconteceu como deveria ter acontecido.

Revolução, já!

sábado, abril 23, 2005

Fome

Olho para a ponta do meu dedo indicador da mão direita. Mais uma vez, ele aponta para mim, e eu sinto a fúria existencial de ser verdade, de nunca conseguir atingir um único segundo de paz entre todos os momentos de sofrimento em que eu respiro (expiro e inspiro para tentar viver e para tentar manter este corpo pesado e mole ao mesmo tempo) e de estar diante de mim, acusado e acusador, sentindo o peso de uma consciência que não afrouxa jamais, que me persegue até mesmo quando tento dormir, quando tento alcançar o doce oblívio do sono - porquê, oh porquê? a crueldade do sono REM? - e é nestas alturas que me sinto perdido, sem quaisquer referências a este mundo; então a acusação deixa de ser de inocência ou culpa e passa a ser uma de sentimento de não-pertença, de invasão, de quem entreou num reino desconhecido de forma ilegal.

Só depois consigo pensar que eu não entrei, mas que me fizeram entrar. Que não tenho a culpa de me terem feito nascer e que mesmo que tivesse, ir daqui para lado nenhum não provaria ser melhor solução do que continuar aqui. (Quer dizer, sobre este tema não tenho uma real e definitiva certeza... o que me garante que, porventura, não ser não será melhor do que ser em dor? Ao mesmo tempo, como é que algo pode ser melhor quando não é? A inexistência provoca sempre a perda de consciência e a suspensão do sofrimento não é benfazeja porque não a conseguirei sentir. Ainda assim, com toda a lógica que as circunvoluções do meu cérebro conseguem atingir, o meu coração persiste em querer-se desviar deste caminho tão rectilíneo para outras paragens distantes e desconhecidas, em que tudo o que se sabe é que não se consegue saber nada.)

Tentando por fim dar fim à dor, mordo a ponta do meu dedo, rasgo osso, músculo e tendão e mastigo tudo ao sabor do sangue que jorra. Não demora muito até que todo o dedo esteja dentro da minha boca a ser mastigado: cuspo a unha para não me aleijar e também os ossos depois de os roer. Parto para os outros dedos e para o resto da mão, repito o processo e agora sim - oh, sim finalmente! - sinto-me tão cheio de mim fisicamente quanto existencialmente. Continuo a comer o meu braço e o sangue escorre para dentro da minha garganta: sinto-lhe o sabor metálico, estranho e profundo que talvez vá prejudicar a difícil digestão desta carne tão pouco rica (nós, humanos, nem como alimento somos bons - quão longe estamos do resto da natureza que nos pariu!)

Pararei quando me sentir saciado.

terça-feira, abril 19, 2005

O futuro do discurso

E se, no fim, tudo ficar de tal forma diferente que não nos consigamos entender? E se, no fim, o que acontecer for uma suprema capa divisória que separará cada povo pela sua língua, episódio de uma qualquer Torre de Babel renascida, separação das águas e tudo o mais? Seremos então folhas à deriva pelo vento, o contacto perdido com o tronco principal da nossa (até então suposta inalienável) humanidade?

O que faremos quando ficarmos isolados no fundo do topo de tudo?

"I have no lies or truth in what I say:
there is no meaning.
The words are numb and I am so afraid:
there is no meaning.
"
- "Future of Speech", Katatonia

domingo, abril 17, 2005

Perdido

Perdido no corropio voraz do espaço e do tempo, perdido nas ambições que me levam para longe da minha vida, ensimesmado pelas pedras que voam na minha direcção, mergulho profundamente dentro do mar dos tempos e busco uma submarina saída de salvação para a secura quente do destilante Sol que tudo queima à sua passagem por este mundo tão perdida e desconsoladamente vazio de qualquer significado que lhe possa dar forma ou sequer cor.

Trocando vozes e sentidos dispersos pela certeza absolutamente incerta e indefinida de uma lígua que me deram quando fiz a minha aparição neste sedento e cruel mundo de insanas contradições que se jogam em direcção umas às outras para tentarem mutuamente destruir-se, perco-me na multidão de sons que se congregam em volta do meu ouvido e que fazem vibrar os meus tímpanos tão violentamente que tudo o que poderia ser percepcionado se torna apenas uma mancha ferozmente vazia de algum segundo significado que me poderia salvar do tenebroso oblívio que se apresenta a cada passo que dou e a cada sorvo do vivificante envenenado oxigénio que tenho que engolir.

sexta-feira, abril 15, 2005

Desejo

Tenho medo de te tocar, tenho medo que confundas o meu desejo mesclado com amor com o puro e carnívoro desejo do teu corpo. Quando te quero tocar, quando te quero perto de mim, é porque o meu desejo é enormemente acicatado pelo meu amor por ti. Quero fazer-te sentir prazer, quero que todas as tuas noções de realidade se alterem quando estás comigo. Quero o teu corpo desesperadamente. Mas também quero quem és. Percebes? Não confundas isso, mesmo quando tudo se confunde num acto irracional de pura satisfação orgásmica.

"To sleep with you is like a bed filled with snakes
Something I can't resist
Oh, licking your bloody lips,
Smiling and sucking your fingertips
Oh, lash me with your whip
I'm your slave...My dear carniwhore"

- "Dear carniwhore", For My Pain...


(Leiam também isto.)

quarta-feira, abril 13, 2005

Carta

"Tens todo o direito a seres feliz. Mesmo quando essa felicidade não passa por mim, tens todo o direito a seres feliz. Chegou finalmente aquele dia que eu temi durante todo este tempo. Chegou o dia em que deixaste de acreditar que eu te amo.
E o mais triste é que eu te amo de facto, porque simplesmente qualquer coisa que eu faço, só tem sentido e importância quando és tu o fim dessa acção. E todos os disparates que eu fiz estão permanentemente gravados na minha mente, todas essas coisas voltam à noite para assombrar o meu descanso. Antes de adormecer, todas as noites se soltam algumas lágrimas da minha face para a almofada pelo que te fiz passar. Só consigo adormecer quando penso em ti, e na felicidade que me dás. Na felicidade que é ter-te ao meu lado, compreensiva.

Só que agora já não estás ao meu lado, pois não? Não. Agora preferiste acreditar que afinal tudo tinha sido uma mentira. Que eu nunca te tinha amado verdadeiramente, como disseram as tuas amigas (essas que tanto mal te fizeram no passado!) Não acreditarias se eu te conseguisse dizer o quanto isso me magoou. Insultaste-me da forma mais cruel que conseguiste, talvez pensando que estavas a descobrir uma grande verdade, quando o que estavas era a cometer uma enorme injustiça.
E mais depressa do que eu consigo sequer perceber, foste jogar-te nos braços dele... Meu amor, que desplante o teu. Projectas em mim aquilo que és tu que (não) sentes!

...Talvez esteja a ser injusto. Talvez o tenhas feito para me esquecer, para "desenjoar". Seja como for, agora já não me interessa. Depois de teres dito tudo o que disseste, já não me interessa. Já estou acima desses pequenos e mesquinhos pormenores. Só gostava que ficasses com esta ideia em mente: eu amo-te. ...Não, eu amava-te. Agora odeio-te pelo que me fizeste, mas amava-te; sempre te amei ao longo de todo o tempo em que estive contigo. Quando, por acidente, te magoei, também te amava. Nunca foi intencional. Por muito que possas pensar o contrário, esta é a verdade. Eu nunca quis magoar-te. Adeus para sempre. Esta vai ser a última vez que me vês."

E ao lado da carta estava o corpo dele, caído sobre o lado direito, todo manchado de sangue, e ainda com a arma meia enfiada dentro da boca. A parede onde ele se tinha encostado tinha também uma mancha larga de sangue que depois escorria até ao chão em pequenos fios. Ela ficou sem se conseguir mexer durante algum tempo, quase catatónica, incapaz de acreditar no que estava à sua frente. Daí para a frente seriam as noites dela as atormentadas por estranhos e insanos pensamentos. E a culpa de ter seguido certos conselhos. A culpa de ter metaforicamente carregado no gatilho que fez disparar a bala que penetrou na caixa craniana daquele que outrora tinha sido o homem que a tinha feito feliz.

segunda-feira, abril 11, 2005

Vento

Sente o vento que te bate na cara, que te afaga o corpo e que põe os teus cabelos em desalinho. Sente a frescura (e, por vezes, o frio) que advém dessa carícia tão potencialmente destrutiva. Se fechares os olhos e abrires os braços como quem dá as boas-vindas a um amigo, sentirás que o frio do vento, longe de te querer atacar, se fundirá contigo, na tua própria essência, arroxeando as tuas carnes e lançando trémulos lamentos espasmódicos pelo teu corpo.

Chega então o momento adequado, em que deves libertar a tua consciência de ti mesmo, em que deves procurar anular os teus sentidos e deixar que o vento transporte o teu "eu" para fora das amarras da vida e da carne. E depois vem, vem espalhar ao vento a beleza da tua essência.

sábado, abril 09, 2005

C:/>format c:_

Inseri o comando e apaguei a minha vida, porque queria começar de novo. E depois reparei que não tinha os CDs de instalação para a refazer. Vazio.

Drive C: is empty.

Read error.

Bad command or file name.

quinta-feira, abril 07, 2005

Tortura

Um fio de água pode muito bem ser um regato, que se transforma num rio, que acaba por engrossar e desaguar no mar. E o mar alimenta as nuvens, que lançam a sua água para a terra, para que possa escorrer em fios de água.

Todas as coisas, claras e límpidas à nossa frente, realidades já previamente mastigadas para nós, que se encontram parcialmente digeridas e prontas a serem engolidas. Abrem-nos a boca com um instrumento médico que segura os nossos maxilares no sítio: no ponto de abertura máximo, que já nos aleija. Colocam um funil já a entrar pela garganta, dando-nos aquele impulso de vómito que se torna impossível de reprimir mas que, em tal situação, não serve de nada. Estamos já amarrados a uma cadeira que até parece confortável, e por isso não nos queixamos muito. Afinal de contas, nem percebemos exactamente o que se passa, porque estamos vendados e de ouvidos tapados. Tudo o que importa é que comamos, que possamos fazer uma digestão adequada daquilo que nos estão a fazer engolir. É então que aquilo escorrega pelo nosso esófago abaixo, e chega ao estômago. Sentimo-nos cheios, satisfeitos e com a fome saciada. Também sonolentos, por causa dos soporíferos misturados. Adormecemos. Se por acaso acordamos passado pouco tempo, o processo repete-se. Até já não aguentarmos mais. Até adormecermos completamente.

Eu consegui vomitar sem ninguém reparar. Se calhar estavam distraídos a tratar de outra pessoa a quem estava a acontecer exactamente a mesma coisa. Não sei. Quando conseguir fugir, digo-vos como é lá fora.

Nota do Autor

Dou as boas vindas a mais um blog à nossa comunidade: Pensamentos Noctívagos. Espero que ele tenha todo o sucesso do mundo, porque sem dúvida tem o talento para tal. Em breve o verão.

terça-feira, abril 05, 2005

"Pro amore"

Foi assim tão mau? Foi assim tão horrível? Que coisas viste tu através daquele bem-intencionado beijo que depositei nos teus lábios a medo? Porque é que logo a tua fúria se abateu sobre mim?

Tinhas mesmo que pegar naquela faca e vir espetá-la directamente sobre o meu coração, provocando a minha morte de forma agonizante e dolorosa?! Ainda ontem disseste que me amavas e agora fazes-me isto... Gostava de ter percebido alguma coisa. Eu vi aquele olhar frio, quase árctico, que estava nos teus olhos verdes. Mas também vi uma lágrima. Porquê?

segunda-feira, abril 04, 2005

Espelho Negro: Resposta

Espelho Negro: Resposta

Porque há coisas que merecem resposta, e outras que a exigem, a Sophia fez uma resposta ao meu texto "Entrelaçados". Que convido todos vós a ler, acrescente-se. Daí este post fora da data regulamentar. Disfrutem de boa prosa, de coisas que raramente se lêem.

Prometeu

domingo, abril 03, 2005

Através

Olhar é como descobrir um mundo onde todas as coisas são sempre eternamente diferentes, onde tudo aquilo que se vive é apenas uma forma um pouco diferente de ver a luz que bate e a luz que não se escapa das coisas. Olhar para as coisas que nos encandeiam é mais difícil do que olhar para ti. Porque eu consigo ver quem tu és.

"'Cause inside you're ugly,
Ugly like me.
I can see through you,
See to the real you"
- Outside, Staind

sexta-feira, abril 01, 2005

1 de Abril

Não faz sentido escrever um post hoje. Porque tinha que arranjar forma de condensar toda a vida. Não sentimos já todos por vezes que a vida é uma mentira? Um dia 1 de Abril perpétuo? Portanto hoje não vale a pena escrever. Para quê?