quinta-feira, abril 07, 2005

Tortura

Um fio de água pode muito bem ser um regato, que se transforma num rio, que acaba por engrossar e desaguar no mar. E o mar alimenta as nuvens, que lançam a sua água para a terra, para que possa escorrer em fios de água.

Todas as coisas, claras e límpidas à nossa frente, realidades já previamente mastigadas para nós, que se encontram parcialmente digeridas e prontas a serem engolidas. Abrem-nos a boca com um instrumento médico que segura os nossos maxilares no sítio: no ponto de abertura máximo, que já nos aleija. Colocam um funil já a entrar pela garganta, dando-nos aquele impulso de vómito que se torna impossível de reprimir mas que, em tal situação, não serve de nada. Estamos já amarrados a uma cadeira que até parece confortável, e por isso não nos queixamos muito. Afinal de contas, nem percebemos exactamente o que se passa, porque estamos vendados e de ouvidos tapados. Tudo o que importa é que comamos, que possamos fazer uma digestão adequada daquilo que nos estão a fazer engolir. É então que aquilo escorrega pelo nosso esófago abaixo, e chega ao estômago. Sentimo-nos cheios, satisfeitos e com a fome saciada. Também sonolentos, por causa dos soporíferos misturados. Adormecemos. Se por acaso acordamos passado pouco tempo, o processo repete-se. Até já não aguentarmos mais. Até adormecermos completamente.

Eu consegui vomitar sem ninguém reparar. Se calhar estavam distraídos a tratar de outra pessoa a quem estava a acontecer exactamente a mesma coisa. Não sei. Quando conseguir fugir, digo-vos como é lá fora.