quarta-feira, abril 13, 2005

Carta

"Tens todo o direito a seres feliz. Mesmo quando essa felicidade não passa por mim, tens todo o direito a seres feliz. Chegou finalmente aquele dia que eu temi durante todo este tempo. Chegou o dia em que deixaste de acreditar que eu te amo.
E o mais triste é que eu te amo de facto, porque simplesmente qualquer coisa que eu faço, só tem sentido e importância quando és tu o fim dessa acção. E todos os disparates que eu fiz estão permanentemente gravados na minha mente, todas essas coisas voltam à noite para assombrar o meu descanso. Antes de adormecer, todas as noites se soltam algumas lágrimas da minha face para a almofada pelo que te fiz passar. Só consigo adormecer quando penso em ti, e na felicidade que me dás. Na felicidade que é ter-te ao meu lado, compreensiva.

Só que agora já não estás ao meu lado, pois não? Não. Agora preferiste acreditar que afinal tudo tinha sido uma mentira. Que eu nunca te tinha amado verdadeiramente, como disseram as tuas amigas (essas que tanto mal te fizeram no passado!) Não acreditarias se eu te conseguisse dizer o quanto isso me magoou. Insultaste-me da forma mais cruel que conseguiste, talvez pensando que estavas a descobrir uma grande verdade, quando o que estavas era a cometer uma enorme injustiça.
E mais depressa do que eu consigo sequer perceber, foste jogar-te nos braços dele... Meu amor, que desplante o teu. Projectas em mim aquilo que és tu que (não) sentes!

...Talvez esteja a ser injusto. Talvez o tenhas feito para me esquecer, para "desenjoar". Seja como for, agora já não me interessa. Depois de teres dito tudo o que disseste, já não me interessa. Já estou acima desses pequenos e mesquinhos pormenores. Só gostava que ficasses com esta ideia em mente: eu amo-te. ...Não, eu amava-te. Agora odeio-te pelo que me fizeste, mas amava-te; sempre te amei ao longo de todo o tempo em que estive contigo. Quando, por acidente, te magoei, também te amava. Nunca foi intencional. Por muito que possas pensar o contrário, esta é a verdade. Eu nunca quis magoar-te. Adeus para sempre. Esta vai ser a última vez que me vês."

E ao lado da carta estava o corpo dele, caído sobre o lado direito, todo manchado de sangue, e ainda com a arma meia enfiada dentro da boca. A parede onde ele se tinha encostado tinha também uma mancha larga de sangue que depois escorria até ao chão em pequenos fios. Ela ficou sem se conseguir mexer durante algum tempo, quase catatónica, incapaz de acreditar no que estava à sua frente. Daí para a frente seriam as noites dela as atormentadas por estranhos e insanos pensamentos. E a culpa de ter seguido certos conselhos. A culpa de ter metaforicamente carregado no gatilho que fez disparar a bala que penetrou na caixa craniana daquele que outrora tinha sido o homem que a tinha feito feliz.