quarta-feira, março 16, 2005

Reflexo

De cada vez que me olho ao espelho, tenho uma enorme tendência de o partir. De cada vez que vejo aquela reflexão no espelho, começo a odiar o próprio conceito de espelho.

Dia a dia, hora a hora, as nossas mentes torturadas com estigmas, as nossas vidas penetradas por ideias feitas e enlatadas numa qualquer fábrica muito muito longe, fora do alcance da nossa imaginação; escondidas por detrás da férrea vontade de quem nos verga as espinhas com pesos. Basta sair à rua. Basta não sair de casa. Basta estar acordado, e também basta dormir. Em todos os momentos as mãos invisíveis e intrusivas entram dentro dos nossos crânios, remexem por entre a nossa massa encefálica e se deleitam a rasgar as ligações do bom-senso, da realidade e da objectividade. Depois retiram-se e quando acordamos temos a sensação que a cabeça está pesada, que não dormimos como deve ser... Sem sabermos que durante a noite a privacidade das nossas mentes foi invadida. Porque tudo aquilo que nos invade durante a noite é tão-somente o resultado da ebulição, mistura e fermentação de tudo o que comemos durante o dia, de toda a actividade em que nos empenhámos ou em que alguém se empenhou em nos impingir.

Mas não. Não odeio a minha aparência. Odeio a humanidade. Aquela que se curva. Aquela que gosta de descer ao esgoto, que se manda para debaixo dos camiões que passam pelas estradas secundárias e pelas ruas sem saída.