quarta-feira, março 30, 2005

Entrelaçados

Hoje estive muito tempo deitado a teu lado, com as minhas pernas entrelaçadas nas tuas. E via o teu olhar a vaguear pelo espaço, pensando em coisas que desconheço, pensando talvez em coisas que eu não quero saber... Não, porque eu quero saber tudo, mesmo aquilo que dói saber. Mesmo quando eu sangro, prefiro saber porque sangro. Mas estavas tu no teu mutismo e eu nada podia fazer. Beijava-te de vez em quando e sentia em ti a energia a correr do teu coração para todas as partes do teu corpo. E sentia-a a sair de ti e a entrar em mim pela tua boca, pelos toques mais ou menos delicados da tua língua na minha, ou dela a passar ao de leve nos meus lábios abertos e sedentos de ti.

Só queria mergulhar em ti e saber tudo sobre ti com cada suspiro que desses. Tornar-me um absoluto contigo, viver como vives, sofrer por ti o que sofres agora, entregar a minha alma às alimárias da terra para que respirasses um pouco mais desafogadamente. Porque a tristeza que dizes não estar no teu olhar, vejo-a. Porque nem a tua voz nem as tuas acções escondem o espelho da tua alma. Queria que uníssemos as cabeças, que a nossa pele e ossos dessem lugar à fusão simbiótica e momentânea dos nossos cérebros, que as ligações sinápticas abrissem espaço para mim na tua mente e que, sem chorares nem sofreres, me pudesses dizer tudo. Porque dizer algo, ou escrever algo, é viver algo. E eu sei que morres mil vezes por dia, sei que dentro de ti te debates e te degladias contra todo o mundo (contra mim, às vezes) para manteres aquele fugaz momento de sanidade abençoada que te permite respirar aquela névoa intoxicada que se levanta do mar e se vai alojar, putrefacta, nos teus pulmões cansados por vezes de sustentar o teu corpo frágil.

É então que estico a minha mão e comprimo os meus lábios contra a tua bochecha e te digo "Amo-te" como se nada mais fosse verdade, porque na verdade, só aquilo é verdadeiro para mim no eterno momento que estou contigo. É então que me enfureço contra o mundo que te aleija o coração (contra mim, às vezes) e queria construir à volta do teu coração paredes de puro e duro diamante, que arma alguma conseguisse penetrar e palavra alguma conseguisse violar. É então que a minha respiração se encompassa com a tua para tentar perceber exactamente que ser és. E como acabaste aqui, deitada ao pé de mim, com as tuas pernas entrelaçadas nas minhas. Eu, que me julgava fora do alcance da felicidade, eu, que um dia escrevi a dizer que a felicidade não existe, estou agora com as minhas pernas entrelaçadas nas tuas, desejando ardentemente saber tudo o que tu pensas: anular os meus pensamentos para saber os teus. E sim, percebo o teu silêncio. Percebo que não queiras estragar este momento em que estamos de pernas entrelaçadas com palavras que nos farão chorar; percebo também que me queres resguardar de tudo isso - e amo-te ainda mais por isso. Só que também percebo que eu sou tu, e que tu és eu, e que partilharmos as nossas pernas e o nosso calor é partilharmos tudo.

Depois tu olhas para os meus olhos, dizes palavras carinhosas, e eu desapareço no rio do meu amor. Olho para a Lua de Prata a brilhar e penso na felicidade para além do mundo, acima dele. E nas minhas pernas entrelaçadas nas tuas.