sábado, fevereiro 12, 2005

Memória

A limpidez da água quase me assustou: não tinha a certeza de estar em frente a um rio ou a uma corrente de platina líquida e brilhante; talvez até mesmo em frente a um espelho nunca antes visto. Eu podia olhar para mim mesmo baixando os olhos. Podia ver-me em toda a minha simplicidade e em toda a minha postura ligeiramente corcovada pelos espancamentos sucessivos que o meu espírito tinha levado ao longo de toda a sua vida. Não resisti à tentação de me pôr de joelhos e de mergulhar a minha mão ali. Uma sensação esquisita perpassou-me todo o braço. Um arrepio espalhou-se pelo corpo.

Era uma sensação de liberdade que nunca antes conhecera. Era sentir que podia ter tudo o que queria ali mesmo. Comecei a despir-me; com cada peça de roupa que saía, mais feliz eu ficava! Mergulhei.

Era difícil nadar ali. A água não era bem... água... Era espessa, estranha... agarrava-se a mim... Só que já não importava - finalmente estava livre. E, apesar de me estar a afogar, que bem me sabiam as águas do Letes!