domingo, fevereiro 06, 2005

Saturar

Sabes que mais? Fartei-me.

Todos os dias te sussurrava aos ouvidos algo belo, todos os dias dizia que te amava, todos os dias te mostrava como a minha alma era um caldeirão borbulhante de forças vitais querendo sair de mim, querendo encontrar, não o caminho para o teu corpo, mas sim o caminho para o teu coração, o caminho que te fizesse acreditar que eu realmente te amava. Mas fartei-me.

Depois, comecei a alardear o meu amor aos quatro ventos, como se fosse um megafone a quem tinham esquecido de desligar, ou como se o infernal Cerbero tivesse começado a uivar com a sua tríplice potência, ameaçando engolir o mundo no meu amor por ti. As próprias pedras começaram a chorar por mim, meu amor. A vibração que de mim emanava era superior a qualquer abalo, a qualquer Armagedão, a qualquer morticínio alguma vez perpretado por mão humana ou divina. Mas fartei-me.

Quando julgava que já não conseguia mais suportar aquilo, comecei a tentar odiar-te. Comecei a tentar ver em ti a caixa de Pandora, a fonte de todos os tormentos, o próprio Pecado Original personificado, a decadência e a Morte. Só que tentar conspurcar a tua essência ia-me enlouquecendo. Tentar violar a minha imagem de ti era como expôr-me à abrasão de um milhão de sóis sobre mim, enquanto a outra parte era sugada para um buraco negro, perdendo qualquer noção de realidade no horizonte de eventos...

Foi então que desisti. Só o silêncio te ocupa a existência agora, pelo menos da minha parte. Pode ser que assim te faça falta o rumorejar das minhas palavras em ti. Talvez agora te livres dessa excrescência que te tapava os ouvidos - faz o que quiseres, porque ao ter-me calado, desisti de ti. Perdoa-me mas... fartei-me.