quarta-feira, fevereiro 02, 2005

Escola

Quanta crueldade... as criancinhas, tão adoradas e mimadas, os monstros de amanhã, os facínoras, ditadores e assassinos, os polítitos, ladrões e mentirosos, os trapaceiros, bem-sucedidos e falidos. Tudo nas criancinhas que brincam no recreio de uma escola. Pensando bem no caso, dali sairão os futuros violadores, que irão arrancar as cuecas a mulheres que agora são da idade deles, que vivem noutro sítio qualquer - ou até mesmo ali perto, quem sabe?!

Fiquei com uma vontade extrema de fazer explodir aquilo tudo. Afinal, se não houver futuro, não há sofrimento, certo? Mas faltavam-me as bombas, ou a dinamite...

Fui para casa e comecei a escavar dentro de mim. Tentei ir o mais fundo que conseguia na minha memória, sempre na esperança de encontrar aquele momento singular que me transformou na pessoa que sou hoje. Sim, não sabiam? A vida não é um fenómeno contínuo no espaço e no tempo! Nós vivemos certos dias decisivos, em que tudo está desequilibrado e em que alguma decisão é tomada; fora isso, apenas pomos a vida em pausa e ficamos a ver pastar... ou a pastar, consoante o caso.

Bom, o resultado da escavação foi interessante: aparentemente não me consigo lembrar de algo tão antigo. Perdi uma parte da minha vida, então... Volto a entrar dentro de mim: agora preciso de uma confirmação, preciso de alguma coisa que me restaure a certeza que eu sou eu, ou algo do género. As salas dentro de mim são muitas. Vagueio mais ou menos sem saber o que faço, vou furando através de espaços oníricos e caixotes com pesadelos encerrados há muito. Começo a sentir uma certa leveza na cabeça; sou atraído por um perfume que paira no ar, mas que é mais forte numa dada direcção. Subo as escadas para baixo e entro num corredor diagonal que quase roça a quarta dimensão. É ali dentro que encontro as longas sessões de espancamento que o meu pai me costumava dar, com uma fivela de metal, ou mesmo com uma régua de alumínio, esburacada (a imitar uma menina-dos-cinco-olhos).

Saí apressado e em pânico. Percebia agora porque é que os facínoras vinham dali: era ali que o poder se exercia sem controle, era ali que os novos reprimidos esperavam o momento da submissão em que fossem despidos de tudo o que lhes é pessoal e condenados a não ser mais do que o fedor que rodeia uma estrebaria.