sexta-feira, fevereiro 18, 2005

Anjo de pedra

O portão era de ferro forte e maciço, mas o tempo tinha já carcomido a fechadura, mais frágil e enferrujada, que se abriu quase instantaneamente, como se movida pelo meu desejo. Entrei. Andei por ali, em silêncio, observando as esculturas mais elaboradas e ignorando as mais pequenas.

Tinha sido há quase três anos que tinhas desaparecido da minha vista. Assim, sem deixar qualquer rasto. Procurei-te, pus todos os meios disponíveis para te encontrar em funcionamento - tudo me parecia em vão, tudo me parecia hediondamente lento, quase como se o mundo estivesse a gozar comigo! Só muito tempo depois (mais tempo do que aquele que a minha esperança sobrevivera) é que eu soube que afinal ainda estavas viva. Presa, maltratada, abusada e sodomizada, mas viva. Raptada... Aquelas coisas que só acontecem a uns poucos infelizes, tendo eu tido a infelicidade de ser o "infeliz da porta do lado" (do meu vizinho). Vi imagens tuas, vi filmes onde te faziam entrar e fazer as coisas mais degradantes. Quis berrar porque quis estar louco, quis não acreditar naquilo que via, quis pensar que era tudo um pesadelo, mas não era. Fiquei a olhar o ecrã do computador durante muito tempo depois de ter visto as provas de que vivias ainda, apesar de longe demais... Estava a tentar perceber tudo aquilo. Só mesmo a tentar...

Era esse episódio que estar ali me fazia recordar. Mas desta vez eu não tinha vindo sozinho, tinha trazido companhia feminina. Sentámo-nos os dois na relva que crescia, lentamente, para fora da terra fértil. Olhámos um para o outro, olhos nos olhos, e começámos a beijar-nos na boca. Algo se libertou dentro de mim e eu consegui deixar-me entregar à luxúria que tanto tempo atrás tinha sido castrada por imagens horríveis. Ali mesmo, consumi a minha fome. Ali mesmo a possuí, fui possuído por ela. Olhando para nós com os seus olhos de pedra, um daqueles misericordiosos anjos - figura poderosa tão fartamente presente em cemitérios como aquele.