Esparsos

quinta-feira, novembro 24, 2005

Frio

Frio. Concentração num só ponto de uma medida absoluta de desespero, de falta de alma, de distância de tudo o que poderia rodear alguém.

Frio. A queda dentro do abismo, o arrefecimento da alma, a tortura tremelicante e espasmódica que força todos às torções inevitáveis de tortura do afastamento.

Frio. O sangue congela, coagula e entope as veias, vias de alma líquida tornadas veios de gelo... gelo frio, cortante, frágil e pronto a ser quebrado.

Tudo cessa no frio. Tudo se congela para uma fotografia indestrutível de um singelo momento irrepetível, em que o frio se adensa e comprime contra si a matéria de que é feita a vida. Depois de se sentir aquele inicial arrepio que percorre o corpo sem pedir permissão, perde-se a vontade e o controlo sobre o ser que se pode até ser... quando se é.

O frio é a ausência de movimento, a ausência de momentos que valham a pena recordar. É a ausência do toque que deveria representar o fim do frio, é a fuga da realidade para longe de um ponto de vista sem ponto de fuga. É toda uma manta de gelo de vozes e recordações que fazem congelar o próprio ar, que congelam as emoções até ao penúltimo grau, mas que deixam a sensibilidade ao frio. A criatura que se submete ao frio fica frágil. Fraqueja a cada arfada de ar, a cada rebolar de olhos, e nem os lábios pode humedecer. Estagna, pára, deixa de sentir o tempo na mesma proporção, e nem a luz do Sol rompe as névoas negras que se agregam para uma condenação omnipresente, constante.

E, no fim, o último estertor marca o último suspiro.

domingo, novembro 20, 2005

No silêncio...

No silêncio negro da noite tudo desaparece numa mancha de sofrimento. O medo de falhar, de não saber amar, torna-se a realidade temida de há anos. Num único momento, numa tentação estranha à vontade, e tudo desmorona, como se feito de areia. Um passo em falso, ou todo um caminho errado? Em que factor se situa a culpa formada, no caminho ou no caminhante? Consigo formular um milhão de perguntas e nem a mim mesmo ofereço uma única resposta.

De toque envenenado, serei eu? O monstro que toca e logo destrói? Uma nova forma de criação aberrante, junção de vários pedaços de (falta de) alma, sem organização nem amor? Como é possível que o mais gentil e doce dos toques se consegue transformar na destruição de longas e afiadas garras que só sabem despedaçar? Sou tão irritantemente mortal! Cometo tantos erros tão frustrantemente fatais! Para mim, para quem se encontra ao meu lado... Sim, é uma espécie de doença que eu tenho, uma maleita que contagia quem está à minha volta. Serei eu também um senhor da ilusão hipócrita, que vende ódio quando o rótulo diz amor? O meu destinho é ferir a cada palavra, a cada acção?

E, no fim, como suportar a dor da derrota, a dor do falhanço?... Da culpa?...

Em memória de um dos piores erros da minha vida.

sábado, novembro 12, 2005

Será?

Consideras o quê? Consideras que todas as tuas considerações serão tomadas em consideração? Consideraste já a possibilidade de as tuas considerações estarem completamente erradas? Tira de dentro do teu bolso uma coisa que te faça realmente feliz: sabes que não consegues, nem que tivesses o mundo lá dentro. Porque a nossa felicidade de ter morre na infelicidade de querer o que não se tem. Mesmo que se tenha o mundo. E, portanto, vivemos para desejar ter o que não temos, não sabendo apreciar o que temos.

Ainda hoje te vi, sem sentidos, perdido na avenida que dá para a compreensão da vida. Estavas perdidamente apaixonado pelas pedras da calçada, e ao olhares para baixo, uma tontura derrubou-te. Até querias continuar, mas faltaram-te as forças; até querias parar um pouco para descansar, mas já não estavas consciente do mundo que girava à tua volta. Ou que parecia girar à tua volta. Ainda pensei em levantar-te, porque estavas perto da avenida da vida. Só que olhei para ti: as rugas marcadas, o cabelo perdido há muito tempo atrás, os dedos retorcidos e nodosos. Estás velho, reparaste? Estás acabado. Enquanto te olhava, soprou o vento e levou-te o sopro.

Acabei agora de nascer e amanhã vou morrer. Não, não é suicídio. É apenas morte. Morte. A Morte. Entretanto, procuro amar quem me ame, sabendo que tanta gente faz o mesmo. Quase toda. Há também quem procure odiar quem os ama, ou quem procure amar-se a si mesmo, convencido que encontra as respostas na prega de pele do seu próprio umbigo. Cá eu, quando uma vez lá fui procurar, apenas percebi que tinha de dar banho ao meu ego... Pode ser que me tenha escapado alguma coisa; eventualmente irei procurar melhor. Agora, com licença, estou a perder-me/encontrar-me no corpo que sustenta o ego que me suporta a mente.

Há tantas maneiras de ser feliz.
...Será?

quinta-feira, novembro 10, 2005

Espelho Negro: Tentação...

Espelho Negro: Tentação...: "Tentação...
Tentação... Como lhe resistir?

Olho para ti e apetece-me...
Oiço a tua voz e quero...
Vejo o teu sorriso, o teu olhar, e enlouqueço...

Tentação, tentação... Como te resistir?..."


Olho as profundezas da tua alma e suspiro.
Olho as tuas mãos que se dirigem a mim e sustenho a respiração.
Olho os lábios que procuram os meus e sinto algo agitar-se em mim.
Toco um pescoço suavemente belo e belamente suave, sentindo o pulsar discreto dos rios de sangue na profundeza absolutamente carnal desse corpo.
A minha mão percorre, perdida, uma pele conhecida, que se deleita com o toque.
Afinal... para quê resistir?